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Por que o Brasil precisa discutir, o quanto antes, a regulação da blockchain

País pode perder oportunidade de gerar empregos e trazer progresso tecnológico se não definir uma legislação clara e favorável em relação ao ecossistema da blockchain

 

Por Bianca Borges*

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A regulação da Blockchain é um tema quem tem ganhado cada vez mais destaque nas agendas dos governos de diversos países do mundo, inclusive aqui no Brasil.

Para trazer insighs sobre esse assunto para você, leitor da Blockmaster, conversamos com Tatiana Revoredo, representante do European Law Observatory on New Technologies no Brasil e especialista em Blockchain pela University of Oxford e pelo MIT. Confira a entrevista completa a seguir:

[Blockmaster] Quais são os benefícios que a regulação da Blockchain pode trazer para o país e para as empresas?

[Tatiana Revoredo] Os legisladores podem auxiliar no avanço e implementação de aplicações e soluções blockchain no país. O uso de “ferramentas legislativas” podem, e devem, ser usadas para permitir, ou pelo menos facilitar, o desenvolvimento de novas tecnologias como blockchain. Em nosso mundo cada vez mais globalizado, isso tem sido feito, principalmente pela Europa, países asiáticos como Singapura e Coreia do Sul, para criar vantagens competitivas e atrair empresas que atuam no ecossistema blockchain para estabelecer operações no país, atraindo novos negócios e criando oportunidades de emprego e investimento. Na China, blockchain é uma das cinco principais prioridades do governo.

Como exemplo de como países tem legislado para beneficiar cidadãos e empresas, podemos citar os EUA, onde vários estados americanos, incluindo Arizona, Tennessee, Delaware e Wyoming, implementaram leis relacionadas à tecnologia blockchain. As novas leis incluem uma emenda recente à Lei “Wyoming’s Business Corporation Act”, que permite que empresas registradas em Wyoming usem uma blockchain ou outras redes e bancos de dados descentralizados para armazenar transações e documentos corporativos. Na verdade, dentre estes estados americanos, Wyoming tem sido o mais agressivo na aprovação de leis blockchain, já tendo aprovado cinco leis: declarando que “tokens de utilidade pública” não seriam regulados pelas leis estaduais de títulos mobiliários, isentando criptomoedas de impostos de propriedade, ajustando sua regulamentação de remessas monetárias para acomodar as exchanges de criptomoedas no Estado, permitindo LLCs registrarem-se em uma blockchain e permitindo que o Secretário de Estado registre empresas em uma blockchain.

No Brasil, também encontramos algumas iniciativas legislativas nesse sentido. Merece destaque o recente Sandbox regulatório lançado pela Secretaria Especial da Fazenda do Ministério da Economia, Banco Central do Brasil, CVM e pela Superintendência de Seguros Privados que pode permitir a emissão de tokens no Brasil, conforme comunicado oficial publicado hoje, 13/6/2019. Tal iniciativa surge como resposta à transformação que vem acontecendo nos segmentos financeiros, de capitais e securitário, permitindo que empresas do mercado financeiro, securitário e de capitais atuem com a flexibilidade necessária às mudanças tecnológicas e constantes inovações. Dessa forma, as atividades desenvolvidas ficam em conformidade com as regras de cada segmento, independentemente da maneira como os serviços e produtos sejam fornecidos, principalmente, sob as perspectivas da segurança jurídica, da proteção ao cliente e investidor e da segurança, higidez e eficiência dos mercados.

Ainda, apesar de não ser especificamente destinada ao ecossistema blockchain, há os “incentivos fiscais” às atividades de inovação tecnológica da Lei do Bem, que tem aplicação multisetorial, podendo ser utilizado por empresas que desenvolvam soluções e aplicações blockchain para o setor elétrico, por exemplo.

[Blockmaster] Você acredita que o Brasil perderá muito se não tomar uma atitude para regulamentar a blockchain? Quais seriam os pontos que o país sairia mais prejudicado, se deixar essa questão de lado?

[Tatiana Revoredo] Antes de entrar no mérito da pergunta, reputo necessário observar três premissas:

  1. Deve-se regular o entorno do ecossistema blockchain, e não a tecnologia em si. Leis que obrigam todos a dirigir no mesmo lado da estrada podem acelerar as viagens e melhorar a segurança no trânsito; medidas e pesos padronizados tornam mais fácil e eficiente a fabricação de produtos e serviços.
  2. A regulação não pode ser feita às pressas e isoladamente. O ideal é a criação de Sandboxes e de forças tarefas para estudar a tecnologia junto com atores do setor, antes de elaborar um projeto legislativo.
  3. Uma legislação de novas tecnologias deve ser principiológica. Isto porque leis taxativas, com definições para termos como “blockchain” e “contrato inteligente“, por exemplo, podem se tornar obsoletas rapidamente e acabar causando problemas no futuro, se alguma alteração futura de um blockchain ou um contrato inteligente não atender estritamente ao conjunto de definições na lei.

Tendo em conta as premissas acima, acredito que se o Brasil retardar seus esforços legislativos e regulatórios favoráveis ao desenvolvimento da tecnologia blockchain no país, ou não for suficientemente ousado, progredindo com rapidez suficiente, há um grande risco de que os negócios baseados em blockchain se estabeleçam em outros países. Isso seria bastante prejudicial, tendo em conta que arquiteturas blockchain têm impacto em diversos setores como o financeiro, logística, energia, saúde, serviços públicos, só para citar alguns. O denominador comum é que esses setores/indústrias gerenciam grandes quantidades de informações e/ou transações, têm alta demanda por segurança, eficiência e transparência.

Também, nas exportações, de commodities, por exemplo, o país poderia sair prejudicado. Assim como há perdas significativas na qualidade de nossos grãos, devido à falta de uma malha logística eficiente, muitos países podem deixar de importar de indústrias brasileiras que não implementem a tecnologia blockchain no ciclo de vida de seus produtos (e falta de legislação clara e favorável é um obstáculo a essa implementação). Isto porque soluções blockchain já têm sido usadas com sucesso nas cadeias de suprimentos (que geralmente possuem amplitude globais), auxiliando empresas a reduzir riscos operacionais, assegurando fluxos globais contínuos, confiáveis e invulneráveis.
Por fim, perderia a oportunidade de gerar empregos e trazer progresso tecnológico ao país.

[Blockmaster] Quais os principais desafios e empecilhos que o mercado blockchain enfrenta para conseguir essa regularização junto ao governo brasileiro?

[Tatiana Revoredo] Acho que o principal desafio/empecilho não é conseguir uma regularização junto ao governo brasileiro, mas sim falta de percepção de que o mercado blockchain tem evoluído rapidamente no mundo todo. [Esse fato] exige uma resposta governamental mais definida, clara, bem estruturada e favorável, de modo a não limitar “a velocidade de inovação e disrupção” que, inevitavelmente, ocorrerá nos diversos setores.

Também o excesso de burocracia e a incerteza da estabilidade político-econômica e a falta de investimento em educação digital são desafios que podem piorar a estagnação do país e até levar a um subdesenvolvimento tecnológico crítico.

[Blockmaster] Existe alguma ou algumas ações que estão sendo feitas pelos entusiastas do mercado blockchain para driblar as possíveis barreiras?

[Tatiana Revoredo] Uma iniciativa que vejo como bastante promissora partiu das próprias empresas com atuação em soluções blockchain e criptomoedas. Elas têm buscado se articular através de associações como a ABCripto (Associação Brasileira ade Criptoeconomia) e a ABCB (Associação Brasileira de Criptoativos e Blockchain).

Aqui, merece destaque que tais associações, recentemente, fecharam parceria com a Grant Thronton para fazer um mapeamento do ecossistema do setor no Brasil para, assim, ajudar o setor a ter uma Classificação Nacional de Atividade Economia (CNAE) própria, o que facilitará a interlocução com órgãos do governo.

Depois dessa “aula” sobre a regulação da blockchain, ficou claro que o Brasil e seus governantes não podem desperdiçar tempo e precisam, o quanto antes, discutir essa questão para facilitar e estimular o progresso no país. Então, mãos à obra!

*Jornalista: Bianca Borges é formada em Comunicação Social pela Universidade Anhembi Morumbi. Atua como Analista de Comunicação e Conteúdo e possui experiência nas áreas de assessoria de imprensa, jornalismo e gestão de mídias sociais. Gosta de escrever sobre diversos assuntos, mas, atualmente, seu foco é o setor digital, inovações e negócios.

*Entrevistada: Tatiana Revoredo é a representante do European Law Observatory on New Technologies no Brasil e especialista em Blockchain pela University of Oxford e pelo MIT. Atualmente cursa Cybersecurity em Harvard. Convidada pelo Parlamento Europeu para Conferência Intercontinental sobre aplicações Blockchain e regulação de criptomoedas e ICOs. Participou do 1st Annual Crypto Finance Conference, do Fórum Econômico Mundial e Forum Mundial da Internet.

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