Terça-feira, 17 de setembro de 2019
O ano de 2019 pode ser um marco na evolução do blockchain como o protocolo dominante de transações de valor na internet do futuro. Duas das mais importantes entidades do blockchain mundial anunciaram uma associação mútua, que permitirá que colaborem se mantendo como entidades distintas. A Enterprise Ethereum Alliance (EEA) e a Hyperledger se tornaram cada uma, membro da outra, com o objetivo de acelerar a adoção das tecnologias blockchain nos negócios.
Fundada no início de 2017 por empresas como J.P. Morgan, Intel, Santander e Microsoft, a EEA é uma organização de desenvolvimento de padrões globais para a adoção do Enterprise Ethereum. Já a Hyperledger, abrigada sob a Fundação Linux, é um esforço colaborativo de código aberto dedicado à promoção da tecnologia blockchain em diferentes setores da economia, e conta com a participação de mais de uma centena de empresas, entre as quais Accenture, Cisco e Deutsche Bank.
O comunicado de anúncio da associação não deixa claro o que ela vai significar em termos de resultados práticos, mas a expectativa é a de que ao longo do ano a aliança comece a mostrar a que veio. “O potencial da parceria tende a se mostrar aos poucos, de projeto em projeto”, diz Maja Vujinovic, uma das maiores especialistas no assunto no mundo, responsável pela implementação do blockchain da GE e CEO da consultoria de inovação o OGroup, em Nova York. Maja costuma vir ao Brasil como palestrante convidada para eventos de finanças e tecnologia do Experience Club. Para ela, uma coisa é dada como certa. A associação deve levar, entre outras coisas, à interoperabilidade entre as duas plataformas.
“O potencial da parceria [entre Ethereum e Hyperledger] tende a se mostrar aos poucos, de projeto em projeto”. – Maja Vujinovic, CEO do OGroup de Nova York.
O caso é emblemático pela dimensão dos envolvidos e pelo momento do mercado. Mais do que um movimento isolado, a aproximação entre diferentes tecnologias blockchain é uma forte tendência e uma necessidade. “O que sabemos até agora é que existem diferentes sabores de blockchain e cada sabor é melhor para alguma coisa”, diz Maurício Magaldo, líder de serviços de consultoria em blockchain para a América Latina da IBM.
Na medida em que as tecnologias são colocadas em prática, porém, se torna mais claro que nenhuma delas sozinha será capaz de atender a todas as demandas colocadas pelo mercado corporativo. “Não haverá apenas um blockchain para todas as funcionalidades”, afirma.
Segundo a IBM, há no mercado atualmente mais de 100 soluções diferentes de blockchain. Algumas, como a do Bitcoin e a do Ethereum, são públicas e abertas. Outras, como R3 Corda e a Hyperledger, são privadas e fechadas.
Um blockchain público permite a inclusão de informações por qualquer interessado. O privado, é o contrário. Da mesma forma, um blockchain aberto permite que qualquer interessado leia as informações contidas nele. Enquanto um fechado tem acesso restrito.
Assim, há basicamente quatro combinações básicas possíveis. Públicos abertos, públicos fechados, privados abertos e privados fechados. Há também muitas soluções desenhadas para funções específicas, como o IOTA, criado para ser o sistema de pagamento da internet das coisas. Ou o Stellar, para funcionar como meio de pagamento em regiões com pouca infraestrutura de telecomunicações, como em áreas rurais da África. Ou ainda o VeChain, para a gestão de cadeias de suprimentos.
Hoje, porém, os protocolos blockchain não conversam uns com os outros. Daí a importância crescente da interoperabilidade das diferentes plataformas. “Se os negócios são interconectados, as tecnologias também precisam ser”, afirma Magaldo.
“Quando você começa a fazer a comunicação entre as redes e as plataformas, potencializa exponencialmente as oportunidades”, concorda Edilson Osório Junior, CEO da OriginalMy, uma das empresas pioneiras no uso de blockchain no Brasil, e representante do país na Organização Internacional de Normalização (ISO, na sigla em inglês), onde recentemente foi criado um grupo de discussão sobre interconectividade.
“Existem diferentes sabores de blockchain e cada sabor é melhor para alguma coisa”. – Maurício Magaldi, líder de consultoria em blockchain da IBM para América Latina.
Em tese, com a interoperabilidade será possível, por exemplo, integrar uma rede blockchain de logística à outra, de pagamentos, para agilizar a cobrança de fretes e a liberação de cargas. Ou conectar drones a diferentes centros de distribuição, cada um deles com um blockchain diferente.
Ou, através de uma rede pública e aberta de blockchain, disparar um contrato inteligente com funcionalidade específica dentro de um blockchain fechado de uma empresa, que precisa resguardar seus dados. Ou, ainda, trocar de forma direta e automática diferentes tipos de criptomoedas sem passar por uma corretora, o que ainda não acontece.
Nada disso é ainda realidade. Mas poderá ser em breve. “Até o final do ano, a interoperabilidade vai ser comum”, afirma Ozório Júnior. Primeiro, avalia ele, através de “oráculos”, entidades “poliglotas”, que funcionam como tradutoras de mais de um tipo de tecnologia blockchain. Com o passar do tempo, porém, diz, a tendência é que cheguem a formas diretas de comunicação entre diferentes protocolos.
“Há muitos grupos econômicos, com muito dinheiro, interessados que isso aconteça”, afirma. “As discussões sobre interoperabilidade ainda são conceituais. Mas chegamos em um estágio em que vão se tornar cada vez mais técnicas e retroalimentar a discussão”, avalia Magaldi, da IBM.
O blockchain é dividido em quatro tipos: público aberto, público fechado, privado aberto e privado fechado. Só que eles não falam a mesma língua. Até agora.
Há pelo menos doze iniciativas de interoperabilidade em andamento. Algumas conectam redes que usam a mesma tecnologia blockchain. Outras pretendem permitir a troca de informações entre redes de tecnologias diferentes, que podem eventualmente ser complementares. E há projetos de interoperabilidade entre redes públicas e privadas. Duas das de maior destaque são a Polkadot e a Hacera. Mas há também nomes como Blocknet, Aion, Lamden, Metronome, Wanchain, Cosmos, Icon, Ark, Quant Network e Block Collider.
Tendo entre seus associados Gavin Wood, um dos fundadores do Ethereum, a Polkadot levantou US$ 140 milhões em seu ICO (Oferta Inicial de Criptomoedas, na sigla em inglês) e está focada em permitir a comunicação entre redes blockchain construídas sobre o protocolo do Ethereum. A previsão é de que sua rede entre em funcionamento no terceiro trimestre de 2019.
A Hacera, por sua vez, foi fundada por Jonatha Levi, um criptógrafo com passagem pelo mercado financeiro, que criou uma espécie de rede social onde é possível encontrar redes blockchain dos mais diversos tipos.
Batizado Unbounded, o projeto reúne informações antes dispersas, de forma semelhante ao que faziam os diretórios de busca como o Yahoo nos primórdios da internet. Novos projetos, antes difíceis de encontrar, agora podem ser achados facilmente. O segundo passo da Hacera será fazer a comunicação entre eles.
“Quando você começa a fazer a comunicação entre as redes, potencializa exponencialmente as oportunidades”. – Edilson Osório Junior, CEO da OriginalMy, pioneira no uso de blockchain no Brasil.
“É claro que haverá tecnologias blockchain dominantes”, diz Rosine Kadamani, cofundadora da Blockchain Academy, primeiro projeto brasileiro de educação com foco em blockchain e bancos de dados distribuídos. Algumas foram criadas em conjunto por grandes empresas de tecnologia e bancos, e já nascem com grande adesão. É o caso de projetos como o EEA e o Hyperledger.
“No mundo corporativo, vão prevalecer infraestruturas criadas para o mundo corporativo”, afirma a executiva. Mas isso não significa que teremos uma concentração de redes do futuro.
“Talvez algumas prevaleçam para um fim e outras para outros”. Mas mais importante agora do que saber quais serão elas, diz Rosine, é a interoperabilidade.
Matéria escrita por Dubes Sônego e publicada originalmente em Experience Club.
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