Terça-feira, 30 de outubro de 2018
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou, em setembro de 2018, autorização para investimento indireto em criptomoedas por meio de fundos de investimento brasileiros regulados pela Instrução CVM nº 555.
A notícia se deu por meio do ofício circular SIN nº 11/2018, documento direcionado a administradores, gestores e auditores de fundos de investimento, que busca esclarecer consultas sobre o investimento indireto em criptoativos pelos fundos regulados pela referida Instrução 555.
A circular esclarece que o fundos podem realizar aquisições de derivativos e cotas de fundos do exterior, bem como “outros ativos negociados em terceiras jurisdições, desde que admitidos e regulamentados naqueles mercados”.
Tal ocorre porque “A Instrução 555, ao tratar do investimento no exterior, não veda o investimento indireto em criptoativos”.
Na prática a CVM permitiu aos fundos de investimento, dentre outras coisas, a possibilidade de aplicações em contratos futuros de bitcoins, em cotas de fundos de hedge em criptoativos, investimentos em STO’s (Security Token Offering) variados, além de adquirir tokens de fundos de investimento em moedas virtuais, a exemplo do fundo americano Crypto20, desde que sejam permitidos, registrados e seguros, nos termos da legislação dos Estados estrangeiros.
Em resumo, a CVM declarou que tanto os títulos mobiliários lastreados ou referenciados em criptomoedas, tais como derivativos de bitcoin, como as cotas de fundos de investimento em criptomoedas poderão ser adquiridas pelos fundos brasileiros que investem no exterior.
A declaração, porém, não veio sem alguns alertas de precaução. O documento chama atenção para o combate a práticas ilegais, como lavagem de dinheiro, operações fraudulentas e manipulação de preços.
Na visão da CVM, “uma forma adequada de atender tais preocupações é o investimento por meio de exchanges que estejam submetidas à supervisão de órgãos reguladores com essas preocupações”.
Em quadro de alerta expõe a importância da adoção de diligências para evitar a compra de um criptoativo fraudulento. “Indicamos a verificação das variáveis relevantes associadas à emissão, gestão, governança e demais características do criptoativo”.
A CVM também informa que ainda não há modelo consensual ou aceito internacionalmente para o cálculo do valor justo desse tipo de investimento. “Assim, é uma evidência de adequada diligência que o criptoativo investido conte com liquidez compatível com as necessidades de precificação periódica do fundo, conforme determinado para os fundos regulados pela Instrução CVM 555”.
A CMV já havia prometido se manifestar sobre esse assunto. De acordo com Superintendente de Relações com Investidores Institucionais da CVM, Daniel Maeda, o documento complementa o Ofício Circular SIN nº 1/2018 divulgado pela autarquia em janeiro desse ano, por meio do qual se estabeleceu que os fundos de investimento no Brasil não poderiam investir diretamente em criptomoedas.
Os Fundos de Investimento são um conjunto de recursos, captados de pessoas físicas ou jurídicas, com o objetivo de obter ganhos financeiros a partir da aplicação em títulos e valores mobiliários. Em outras palavras, os recursos de todos os investidores de um fundo de investimento são usados para comprar títulos que são de todos os investidores, na proporção de seus investimentos.
Um fundo é organizado sob a forma de condomínio e seu patrimônio é dividido em cotas, cujo valor é calculado diariamente por meio da divisão do patrimônio líquido pelo número de cotas do fundo.
É permitido aos fundos, se previsto em seu regulamento, investir em ativos financeiros no exterior, incluindo cotas de fundos de investimento no exterior (investimento que só pode ser feito pelos fundos denominados FIC’s, explicados logo abaixo), no entanto, existem limitações para as aplicações no estrangeiro.
Em regra, os fundos de investimento comuns podem investir no máximo 20% do seu patrimônio líquido em ativos financeiros no exterior.
Para os fundos destinados exclusivamente a investidores qualificados, há duas possibilidades: ou o fundo respeita, como regra geral, o limite máximo de 40%, ou, caso o fundo observe as condições previstas na regulamentação e inclua em sua denominação o sufixo “Investimento no Exterior”, esse tipo de investimento é ilimitado, respeitando o mínimo de 67% do patrimônio líquido.
Por sua vez, os fundos destinados a investidores profissionais que recebem em seu nome o sufixo “Investimento no Exterior”, não possui limites de concentração para investir em ativos financeiros no exterior.
Os Fundos de Investimento em Cotas (FIC’s) são um tipo especial de fundo de investimento. Os fundos podem ser classificados de diversas formas, uma das classificações mais relevantes diz respeito aos fundos de investimento direto em ativos (CDB’s, derivativos, ações, debêntures, etc.) e os fundos de investimento em cotas de fundos de investimento, mais conhecidos como FIC’s.
Diferentemente do primeiro tipo de fundo, os FIC’s tem 95% de seu patrimônio líquido investido em cotas de outros fundos de investimento, que podem ser inclusive FIC’s ou FI comuns. Apenas as FIC’s podem investir em outros fundos de investimento.
Como afirma a CVM, os fundos apenas podem investir indiretamente em criptomoedas e, ainda assim, via investimento no exterior.
Logo, apenas fundos que trabalhem com investimento em ativos estrangeiros serão capacitados a promover as aplicações em criptoativos, como contratos futuros de bitcoin e ethereum.
Por outro lado, o Fundo de Investimento em Cotas (FIC’s) terão a possibilidade de adquirir cotas de fundos de investimento em criptomoedas.
Os EUA se consolidou em 2017-2018 como o maior centro de lançamento de ICO’s, além de possuir o mercado de futuros, como a Bolsa de Futuros de Chicago, que oferecem contratos derivativos de bitcoins.
Além disso, o Estado americano oferece diversos fundos de investimento em cripto, com destaque para os fundos de hedge em criptomoedas.
A decisão da CVM abriu tais mercados para os fundos nacionais, que agora tem possibilidade de alavancagem com base na diversificação de carteira e no aproveitamento da onda cripto.
Um bom exemplo de possibilidade de investimento é a “Crypto Asset Mangement (CAM)”, fundo de investimento situado na Califórnia, com foco no investimento em criptomoedas e ativos relacionados.
Também é valido lembrar que Nova York aguarda a abertura da Bakkt, uma plataforma de ativos digitais que iniciará sua atuação em dezembro desse ano (2018) e pretende listar inicialmente contratos futuros de Bitcoin. A organizadora dessa plataforma é a Intercontinental Exchange (ICE), proprietária da New York Stock Exchange (NYSE).
O Estado suíço já possui um ambiente de negócio bastante favorável para os empreendimentos blockchain, principalmente em relação aos ICO’s.
Na verdade, a posição da CVM abriu a possibilidade de investimento em ICO’s baseada token securities, também conhecidos como STO’s, em derivativos de criptomoedas e cotas de fundos que investem em criptoativos.
Além de ser um dos países que mais lançaram ICO’s em 2017-2018, a Suíça também acabou de aprovar, por meio de sua autoridade financeira a FINMA, a Crypto Fund AG, um fundo de investimento para investidores qualificados, que se autodenomina um “Crypto Market Index Fund”, uma espécie de Fundo Referenciado em Cotação de Criptomoedas.
Malta possui uma legislação forte sobre criptoativos e grande potencial de desenvolvimento como hub de projeto blockchain.
Por meio de malta os fundos terão possibilidade de aplicação em ICO’s, dentre outros tipos de securities lastreados em criptoativos.
As estimativas de fluxo de valores em ICO’s já chegam a 25 bilhões, desde que a tecnologia blockchain se instaurou. Os fundos de investimento criados para aplicações em criptoativos já passaram dos 200 neste ano de 2018. Pelo acompanhamento dos números o mercado tende apenas a crescer.
Por essas razões, a decisão da CVM de abrir os fundos de investimento para o mercado cripto, apesar de tímida, significa uma histórica oportunidade para o Brasil, que se alinha com a tendência mundial de digitalização da economia.
*Yure Lira é Advogado na CY2Law, Pós-graduado em Direito Público, Especialista em Direito Tributário e Corporativo Internacional.
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