Quarta-feira, 31 de outubro de 2018
Em 31 de outubro de 2008, um criptógrafo de codinome Satoshi Nakamoto publicava seu trabalho “Bitcoin: a peer to peer eletronic cash system” inaugurando a era dos criptoativos, que entraria em operação em janeiro de 2009 com o lançamento do Bitcoin. Ao longo desses últimos 10 anos, as chamadas criptomoedas, em especial o Bitcoin, ganharam muita atenção da mídia, tendo em vista a valorização alcançada.
Muitos analistas financeiros discutem sobre sua natureza, ausência de lastro, falta de um órgão centralizador e ausência de regulação, mas poucos tentam apresentar o motivo da cotação do Bitcoin. O preço é determinado pela demanda, mas será que a alta procura reflete apenas a expectativa de futura alta no preço, como muitos especialistas da economia clássica afirmam, ou será que existe algo além?
Imagine se, quando surgiu a internet, fosse permitido comprar frações desta tecnologia? Quantas pessoas gostariam de ser donos de um pedacinho do famoso protocolo “http” que faz a internet como conhecemos hoje funcionar? Quanto isso valeria?
O caminho natural da maioria das pessoas ao encontrar uma mudança de grande magnitude é negá-la sem ao menos se aprofundar no assunto – não é diferente com o Bitcoin. Pensar no Bitcoin e analisá-lo com a mentalidade de ativos financeiros tradicionais certamente o levará a questionar seu valor; porém, estamos diante de uma revolução tecnológica e, como toda grande mudança, exige que ampliemos a nossa visão para que possamos enxergar o “novo”.
Quando falamos de Bitcoin, é preciso esclarecer que existem duas partes fundamentais da tecnologia: o ativo Bitcoin, que roda sobre uma rede distribuída de computadores, oficialmente chamada de rede bitcoin (com “b” minúsculo), e o sistema Blockchain que torna tudo isso possível.
O sistema Blockchain é a inovação tecnológica que tornou possível o Bitcoin e as demais criptomoedas como Ethereum, Ripple e outras (existem mais de mil criptomoedas). Mas o Blockchain provou não ser útil apenas como um sistema de pagamentos. Alguns países e empresas têm utilizado da tecnologia Blockchain para melhor controle dos gastos públicos, captação de recursos com emissão de tokens, melhoria nos registros de transferências imobiliárias, etc. O Blockchain por si só já possui valor por conta dos diversos usos e enormes possibilidades futuras.
Por tratar-se de um sistema aberto, o Bitcoin e a maioria das outras criptomoedas que utilizam o Blockchain funcionam como uma plataforma, permitindo uma fácil integração com quaisquer outros projetos e soluções para os mais diversos setores da indústria. Qualquer pessoa com conhecimento em programação pode interagir e desenvolver produtos e soluções utilizando-se de sua tecnologia, praticamente sem custo, permitindo o surgimento de inovações em escala exponencial. Além disso, o fato de ser open source elimina muitos dos riscos e incertezas normalmente associadas às soluções centralizadas, pois qualquer pessoa pode revisar o código fonte para sugerir melhorias ou identificar potenciais problemas de segurança.
O Bitcoin, por ser a primeira e mais difundida criptomoeda, é usado hoje como “moeda de reserva” nessa indústria: praticamente todas as pessoas envolvidas com criptomoedas possuem Bitcoin, todos os serviços que aceitam criptomoedas aceitam Bitcoin e o preço de outras criptomoedas é comumente contabilizado em Bitcoin.
Os avanços trazidos pelo Bitcoin refletirão na sociedade como um todo, posto que a tecnologia permite inúmeras novas funcionalidades, dentre elas a eliminação de intermediários em qualquer tipo de transação, inclusive no setor financeiro e cadeia logística.
Atualmente, para efetuarmos transações financeiras nos recorremos aos entes do sistema financeiro: utilizamos dinheiro em papel emitido por um governo, ou dinheiro digital controlado por bancos, que atuam como intermediários.
Os órgãos financeiros e os governos, em razão da regulamentação e controle do setor, gozam da confiança da sociedade para intermediar seus pagamentos e transferências de recursos. São os responsáveis por validar e conferir todas as operações financeiras realizadas de forma eletrônica, evitando o risco do “gasto duplo”, certificando-se de que os recursos sejam de fato transferidos de uma pessoa à outra, bem como respondem por qualquer inconsistência ou problema ocorrido na transação, muitas vezes cobrando elevadas taxas por esses serviços. Os governos muitas vezes abusam deste poder, vide o congelamento das poupanças do governo Collor em 1990 e os repetidos casos de corrupção que afligem o Brasil.
Com a utilização do sistema financeiro, nos moldes atuais, abrimos mão de nossa absoluta liberdade e delegamos a confiança a corporações. No passado não existia alternativa, pois era necessário um agente centralizador, sempre criando o risco de abuso do poder. Mas, assim como a internet democratizou o acesso à informação, o Blockchain democratizou o acesso ao mercado financeiro.
O Bitcoin, através do Blockchain, resolveu a questão do “gasto duplo” sem a necessidade de um intermediário (papel das instituições financeiras nas transações “tradicionais”), retirou o fator confiança dos bancos – ou melhor, conferiu a cada detentor de Bitcoin o poder de efetuar transferências livremente, independentemente do valor e sem limites, a custos irrisórios. Essa tecnologia resgatou a liberdade, antes restrita às operações físicas, ao mundo digital. Nos tornamos, novamente, os únicos responsáveis pelas nossas atitudes e os únicos responsáveis pelo controle das nossas riquezas, sem a necessidade de uma entidade centralizadora.
Diversos analistas afirmam que o Bitcoin é uma bolha, baseando suas análises em quesitos técnicos do mercado financeiro tradicional. A realidade é que ninguém sabe ao certo se estamos diante de uma bolha financeira; porém, do ponto de vista tecnológico, social, econômico e jurídico, sem dúvida, estamos diante de uma mudança de paradigma, que continuará crescendo e sendo desenvolvida, ainda que haja um estouro dessa suposta bolha financeira.
Empreendedores ao redor do mundo, do Vale do Silício a Moscou, da Alemanha à África estão criando empresas, projetos e novas soluções para velhos problemas, usando o Blockchain, Bitcoin e demais criptomoedas. Em 2017, empresas do mundo todo levantaram mais de 6 bilhões de dólares em investimentos utilizando ICOs (Initial Coin Offerings), uma forma de financiamento que usa criptomoedas para financiar novas ideias e projetos, em 2018 o valor se aproxima dos 21 bilhões de dólares.
Portanto, o grande valor do Bitcoin é ter criado uma rede de pessoas motivadas, que acreditam num futuro melhor, onde as regras são as mesmas para todos, as informações são transparentes, o poder é distribuído e boas ideias são facilmente executadas, financiadas e recompensadas.
*Alex Michaelis Buelau é CEO e co-fundador do CoinSchedule.com
Sócio do CB – Carvalho Borges Associados. Membro Fundador da Oxford Blockchain Foundation. Presidente da Comissão de Empreendedorismo e Startups da OAB Pinheiros. Co-autor do livro “Cryptocurrencies in the International Scenario: what is the position of central banks, governments and authorities about cryptocurrencies?”.
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