Sexta-feira, 10 de agosto de 2018
A lavagem de dinheiro é um tema amplamente abordado quando o assunto é regulamentação das criptomoedas, principalmente pelas autoridades públicas e instituições financeiras tradicionais.
No final do ano passado, o Parecer do Relator, o Deputado Expedito Netto (PSD-RO), do Projeto de Lei nº 2.303/2015, no qual se discute a regulamentação das criptomoedas e milhas aéreas, deixou consignado que tais ativos possuem “sérios indícios de lavagem ou ocultação de bens, direito e valor”.
Ainda no mesmo Parecer, foi citado um trecho de uma entrevista dada pelo ganhador do Prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, no qual ele afirma que “a verdadeira razão pela qual as pessoas querem uma moeda alternativa é participar de atividades ilícitas: lavagem de dinheiro, evasão fiscal”.
Recentemente, a Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain (ABCB) protocolou representação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) contra as instituições financeiras que estavam encerrando as contas de empresas ligadas às criptomoedas, sob o argumento de que tal prática seria uma conduta anticompetitiva.
Em todas as respostas oficiais, dadas pelas instituições financeiras, a alegação é a mesma: que as criptomoedas podem ser utilizadas para atividades ilícitas e que há uma obrigação legal (Lei nº 9.613/98 e Circular Bacen 3.461/09) de combater a lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, razões pelas quais o encerramento das contas seria, por enquanto, a única solução viável.
Nesse sentido, percebe-se que os bancos não querem se expor aos supostos riscos de lavagem de dinheiro envolvendo as criptomoedas.
Inicialmente, é necessário entender o que realmente configura lavagem de dinheiro e quais as formas de combater referida prática.
Em síntese, “lavar dinheiro” é fazer com que recursos financeiros provenientes de crime pareçam terem sido adquiridos legalmente.
O crime de lavagem de dinheiro está disposto no artigo 1º, da Lei nº 9.613/1998, com pena de reclusão de 3 a 10 anos, além da multa, conforme descrito, abaixo:
“ART. 1O OCULTAR OU DISSIMULAR A NATUREZA, ORIGEM, LOCALIZAÇÃO, DISPOSIÇÃO, MOVIMENTAÇÃO OU PROPRIEDADE DE BENS, DIREITOS OU VALORES PROVENIENTES, DIRETA OU INDIRETAMENTE, DE INFRAÇÃO PENAL.”
No Brasil, o órgão competente ao combate à lavagem de dinheiro é o COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o qual, basicamente, disciplina a obrigatoriedade de determinados setores econômicos de identificar clientes, manter cadastros atualizados, registrar todas as transações acima de determinado limite e de comunicar as operações suspeitas aos órgãos competentes.
Para se ter uma ideia, o COAF já publicou regras específicas para os seguintes setores da economia: promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis, factoring, distribuição de bens e direitos por sorteio, joalherias, bingos e assemelhados, administradoras de cartões de crédito, bolsa de valores, comércio de artes e antiguidades, entre outros.
A despeito das exchanges, que fazem conversão de criptomoedas em moeda corrente nacional, não serem obrigadas a seguir as regras do COAF, o fato é que a maioria já possui áreas estruturadas de compliance, com procedimentos similares às próprias instituições financeiras tradicionais.
De todo modo, o próprio COAF poderia facilmente criar regras específicas para as empresas ligadas à criptoeconomia, garantindo uma maior segurança às instituições financeiras, que também já realizam os procedimentos anti-lavagem de dinheiro de seus clientes.
Pois bem. Após esses primeiros esclarecimentos, vamos analisar um caso hipotético, onde uma empreiteira, no intuito de ganhar a licitação de uma obra pública, paga propina (com Bitcoins) a um político corrupto. Esse político tem as seguintes alternativas:
Em todas essas alternativas, o político corrupto conseguiu “lavar” os recursos financeiros adquiridos ilicitamente? O simples fato dele ter recebido a propina em Bitcoin “ocultou” a atividade ilícita praticada? É claro que não.
Como dito acima, “lavar dinheiro” é ocultar a origem dos recursos, de forma que a atividade transpareça lícita. Para isso, normalmente são utilizadas empresas de fachada, bingos, joalherias e até mesmo escritórios de advocacia.
Comprar criptomoeda, por si só, não tornará o recurso financeiro lícito.
Além disso, nas duas primeiras alternativas, o recurso financeiro passará novamente pelo sistema financeiro tradicional, o qual procederá com todos os procedimentos anti-lavagem de dinheiro já existentes.
No que se refere à alternativa de adquirir bens ou serviços diretamente com Bitcoin, de fato, dificulta bastante o controle dos recursos financeiros (principalmente quando são utilizados para gastos do cotidiano, como restaurantes, compras de roupas, etc). Porém, o corrupto não quer utilizar sua propina milionária apenas para pagar boletos ou restaurantes, mas, sim para comprar carros de luxo, imóveis e barcos, hipótese em que ele também deverá demonstrar a origem dos recursos financeiros utilizados.
Lembrem-se, a operação lava-jato começou com um doleiro comprando um carro de luxo para um diretor de uma empresa estatal.
Além disso, a própria tecnologia blockchain pode ajudar no combate à lavagem de dinheiro, uma vez que garante a imutabilidade e rastreabilidade de todas as transações realizadas na rede, possibilitando que as autoridades verifiquem a origem das criptomoedas.
Há, inclusive, empresas focadas em desenvolver plataformas de rastreio de criptomoedas, como, por exemplo, a Elliptic e a Chainalysis, as quais possuem ferramentas que mapeiam a origem de todas as transações ocorridas na blockchain.
Vale lembrar, ainda, que o próprio Tesouro do Reino Unido[1], em estudo sobre lavagem de dinheiro, realizado em 2015 e 2017, classificou as criptomoedas com risco menor do que os próprios bancos e escritórios de advocacia. Confira a tabela de risco:
Conclui-se, portanto, que não é tão simples lavar dinheiro utilizando criptomoedas, tanto pelo fato de que os recursos deverão entrar novamente no sistema financeiro tradicional (passando por todos os controles já existentes), quanto pelas próprias características intrínsecas da tecnologia blockchain, como transparência, imutabilidade e rastreabilidade.
Por fim, é importante que as autoridades brasileiras não tenham uma visão distorcida sobre a tecnologia, pois interpretações errôneas podem dificultar, ainda mais, a inovação e o crescimento econômico e tecnológico do Brasil.
Advogado, especialista em Direito Tributário, sócio fundador da Steinfeld Advocacia, CEO da Bitwolf e investidor e entusiasta de criptomoedas. Membro da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB/SP - Jabaquara e Coordenador do Comitê de Blockchain da AB2L - Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs.
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