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Bitcoin: as disrupções da contabilidade perfeita

Bitcoin traz contabilidade perfeita em escala global, algo inédito na história da humanidade

Contabilidade global perfeita. Eis a verdadeira inovação que o bitcoin traz. Deveria haver mais menção a esse fato na mídia e nos eventos, pois sua ausência impossibilita o entendimento de que suas bases são muito mais sólidas do que o alarmismo barato sobre bolhas, tulipas, pirâmides, fraudes e, talvez, todo o sistema financeiro tradicional.

De saída, o bitcoin reinventa a contabilidade: em vez de “contas” e “partidas dobradas”, ele usa “endereços” e “saídas de transação encadeadas”; o livro-razão é chamado de “blockchain” devido à sua estrutura: cada “bloco” (as “páginas” do livro) faz referência ao identificador único do bloco anterior, criando uma cadeia (“chain”) com proteção de integridade: qualquer adulteração muda o identificador e invalida toda a cadeia.

Ao iniciarem, os programas de computador que implementam a rede bitcoin reverificam todas as transações que os participantes fizeram desde quando o sistema começou. Só depois disso passam a colaborar com a rede, recebendo e auditando as transações em tempo real via internet, descartando as que não batem e repassando as demais para os outros participantes. Isso nos dá contabilidade contínua perfeita: todas as contas batem até o último dígito decimal a todo e qualquer momento.

A rede bitcoin consiste em milhares de voluntários ao redor do mundo que rodam esses “programas auditores” em seus computadores. Nela, todos são iguais: não há um dono, chefe, coordenador central, nem algum tipo de vínculo formal entre eles. Cada um arca com seus próprios custos, todos podem entrar ou sair quando quiserem e nem é preciso se identificar.

Contabilidade perfeita em escala global é algo inédito na história da humanidade. Já é difícil o bastante fazer o orçamento doméstico e nossas próprias contas pessoais baterem; a contabilidade de empresas, bancos ou países, então, nem se fala – são sempre fechadas “na marra” via contas criadas especialmente para tratar discrepâncias. No Bitcoin isso não ocorre, pois a auditoria ocorre antes das transferências.

Daí para “moeda da internet” é um pulo: crie uma unidade de conta arbitrária (batizada de “bitcoin”) para recompensar os voluntários (apelidados “mineiros”), que acumulam a função de “casa da moeda”: geram novas as unidades monetárias que entram em circulação.

A recompensa era 50 bitcoins por bloco auditado quando a rede começou, em 2009. Caiu para 25 e 12,5 em 2012 e 2016 e cairá de novo para 6,25 em 2020. Ainda estamos numa fase na qual “minerar” é muito mais lucrativo (>3 bilhões de USD/ano) do que outras maneiras de obter bitcoins; por isso, sua adoção como “meio de troca” ainda está engatinhando.

As transações na rede bitcoin são assinadas digitalmente pelo computador do remetente: se qualquer intermediário tentar adulterar uma transação, a “assinatura” não vai bater e a rede a rejeitará, imunizando-a contra forja ou adulteração.

Para o usuário final, o bitcoin recria as propriedades do dinheiro em espécie: você, e apenas você, controla seu dinheiro, mas com a conveniência da internet: mandar bitcoins para alguém ao seu lado ou do outro lado do mundo é tão fácil quanto mandar uma mensagem no WhatsApp.

Pagar por bens e serviços com bitcoin é quase tão fácil e infalível quanto usar dinheiro em espécie: o lojista exibe um código de barras, seu aplicativo usa a câmera do celular para digitalizá-lo, você confirma com sua senha e pronto – está pago. No bitcoin, tudo é “à vista.”

Por volta de 2010, alguém teve a ideia de vender bitcoins por dólares e outras moedas nacionais. Assim nasceram as “casas de câmbio” ou “exchanges”, que logo se tornaram a maneira mais prática e barata para usuários casuais adquirirem bitcoins. Os preços saíram de centavos em 2010 a quase vinte mil dólares por bitcoin no final de 2017, fazendo alguns milionários no caminho e ofuscando a população em geral muito mais por seu uso como ativo financeiro especulativo do que por suas qualidades mais profundas, que permanecem pouco entendidas.

Imagine se pudéssemos aplicar a contabilidade perfeita do blockchain a sistemas de votação, por exemplo, onde vitórias apertadas têm minado a legitimidade dos eleitos. Ou se pudéssemos aplicá-la nas contas públicas.  Tem muita gente brilhante trabalhando nessas ideias. Há até um otimismo que “o blockchain acabará com a corrupção”. Todavia, há estruturas de poder que se escondem nas imperfeições das contabilidades. Com transparência total, elas seriam expostas; o cidadão poderia enxergar os governos e instituições com a mesma minúcia que estes o enxergam.

Essa é talvez a maior disrupção do bitcoin: fazer-nos repensar o próprio dinheiro e nosso relacionamento com ele. Da abrangência e profundidade das implicações, não há como duvidar.

é CEO & Founder, CoinWISE.

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