Quarta-feira, 25 de julho de 2018
Muitas das transações das cadeias de produção de alimento tradicionais no mundo se mostram presas aos altos custos, vulnerabilidade nos processos e, muitas vezes, são ineficientes, pois há décadas não passam por inovações significativas. Tenho observado que no mercado ainda não havia surgido nenhuma solução que conseguisse sanar problemas que envolvem não somente a indústria de alimentos, como também os consumidores.
Contudo, de uns anos para cá, uma tecnologia vem sendo considerada uma ponta de esperança para transformar diversas indústrias e resolver problemas processuais e de certificação: o blockchain.
O blockchain é uma tecnologia utilizada para fazer transações de forma confiável e segura. Costumamos dizer que é como um “livro razão” – como os de escritórios de contabilidade e cartórios – no qual é possível criar um registro imutável e compartilhar, em tempo real, transações realizadas entre diversas partes de forma permanente. O blockchain cria uma cadeia contínua de confiança em que um ativo – seja de qualquer valor – pode ser compartilhado por todos, sejam eles um grupo de instituições ou indivíduos.
Por exemplo, em uma cadeia de produção, esta tecnologia pode fornecer a todos os participantes uma visibilidade segura, universal e permissiva de todas as transações. Desta forma, os envolvidos conseguem visualizar um produto desde o início do processo até o consumidor.
No geral, o blockchain mudará, fundamentalmente, a forma como as companhias interagem e fazem negócios entre si, segundo o relatório, “Tomorrow’s Value Chain: How Blockchain Drives Visibility, Trust and Efficiency”, produzido pela IBM e pelo “The Consumer Goods Forum”.
Do ponto de vista do ecossistema alimentar, o intuito é de que essa tecnologia possa providenciar transparência para manter a confiança de todos. Estou falando de públicos variados, desde fornecedores, produtores, varejistas, consumidores etc.
Na verdade, não é de hoje que o comprador passou a exigir mais informações sobre o processo de produção de determinados produtos e sua origem. Todos queremos ter a garantia de que o alimento que estamos consumindo é seguro, não é mesmo? É fato que muitas das questões, como contaminação, desperdício e o custo econômico e ineficiência dos recalls, acontecem pela falta de acesso a informações confiáveis e rastreabilidade.
Se pensarmos, o processo de identificação de um ponto de contaminação pode durar semanas, e isso pode causar não só doenças, como também o desperdício de alimentos. Durante o incidente recente de salmonela em mamões nos Estados Unidos, por exemplo, a identificação da fazenda que originou o problema demorou mais de dois meses, segundo o Centro de Controle de Doenças Norte Americano. Neste caso, o blockchain seria a tecnologia ideal para abordar estes desafios, já que é capaz de estabelecer um ambiente confiável para todas as transações. Isto permite que provedores de alimentos e outros membros do ecossistema utilizem a rede para rastrear de onde veio a contaminação e, em pouco tempo, deter a propagação de doenças.
Recentemente, empresas como a Dale, Driscoll’s, Golden State Foods, Kroger, McCormick and Company, McLane Company, Nestle, Tyson Foods, Unilever e Walmart começaram a identificar as áreas-chave onde o blockchain pode trazer grandes benefícios ao ecossistema global de alimentos. A ideia é que essas companhias possam fortalecer seu posicionamento quanto à confiança dos consumidores para todos os alimentos que eles compram e vendem. Isso quer dizer que vão identificar as áreas mais urgentes, pela cadeia de produção global, que podem se beneficiar com o uso do blockchain.
Neste sentido, o Walmart, nos Estados Unidos e na China, tem realizado diversos pilotos para testar a tecnologia e têm demonstrado que o blockchain pode trazer impactos positivos no rastreamento global de alimentos. Informações do produto, como detalhes da fazenda de origem, número de lote, dados de fábrica e processamento, data de expiração e detalhes de envio poderão ser registrados de forma digital no blockchain, cooperando com a rastreabilidade. Isso porque cada pedaço de informação pode fornecer pontos e dados importantes que revelam problemas que poderiam comprometer a segurança alimentar de cada produto.
No caso do varejista, o registro criado pelo Blockchain pode ajudar no gerenciamento dos prazos de validade dos alimentos em lojas individuais e, posteriormente, reforçar as salvaguardas relacionadas à autenticidade dos mesmos.
Com as informações completamente validadas por toda a cadeia de valor, cada participante pode elaborar modelos de gestão e fazer a previsão e acompanhamento de seus processos de maneira cada vez mais eficaz. Isso abre espaço para o uso de tecnologias cognitivas, que auxiliam na identificação de espaços para redução de custos, novos modelos de negócios e ampliação da fidelização de clientes finais.
Da mesma forma, os agentes reguladores das diversas indústrias envolvidas na cadeia produtiva podem participar ativamente desse processo, contribuindo para as definições dos critérios de governança e regras de funcionamento dos “smart contracts”, tornando o processo todo transparente para a população em geral. Os consumidores ativos poderão se certificar de que os produtos que estão adquirindo se enquadram realmente dentro de seus critérios de compra: orgânicos, não-transgênicos, criação de animais sem hormônios ou crueldade. Outras características consideradas como “premium” podem ser não só certificadas, como também verificadas de maneira fidedigna no ponto de venda.
Os casos de uso com blockchain vêm surgindo de forma exponencial e o mais importante desse fenômeno é que existe uma capacidade muito alta de configuração, teste e replicação rápida para todos os tipos de indústria. Aqui no Brasil, já estamos comprovando a eficiência desta tecnologia com a companhia de grãos Belagrícola, com um projeto de rastreabilidade de todas as etapas do processo: descarregamento da matéria prima à análise laboratorial e distribuição dos grãos; e também com a BRF e o Carrefour em um projeto piloto de rastreamento de carne de porco. O objetivo é que cada vez mais possamos apresentar casos de uso que utilizem o blockchain para gerar cada vez mais impacto na solução de desafios complexos.
é Associate Partner, Líder de Serviços de Consultoria em Blockchain para a América Latina da IBM Services. Ao longo dos últimos 15 anos, em diferentes papéis, conduziu diversos projetos para o setor financeiro brasileiro, tendo trabalhado com Banco Santander, Banco Safra, Citibank e HSBC, incluindo uma rápida passagem como gerente de consultoria por uma start-up local no setor de CRM. Magaldi desenvolve soluções para negócios utilizando Blockchain calcado em sua experiência profissional, que se estende desde desenvolvimento e integração de sistemas back-end, a arquitetura de sistemas de finanças e melhoria de processos. Além de Blockchain, suas áreas de especialização são Governança de Dados e Transformação de Processos de Negócio. Magaldi é graduado Engenheiro de Produção pela UFSCar – Universidade Federal de São Carlos, e pós-graduado em Finanças pela FIA – Fundação Instituto de Administração.
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