Segunda-feira, 31 de dezembro de 2018
Até 2050, seremos 11 bilhões de habitantes no planeta [1], com 66% da população mundial vivendo em áreas urbanas. No Brasil, 90% das pessoas estarão vivendo nas cidades já em 2020 [2].
Um crescimento urbano-populacional tão frenético sempre traz consigo os problemas inerentes ao desenvolvimento rápido de megalópoles, como os enfrentados por Tóquio (38 milhões de habitantes), Nova Deli (25 milhões) e São Paulo (21 milhões).
Neste contexto, gestores e governantes precisam planejar e criar políticas públicas com ideias inovadoras que, segundo o professor da Universidade Harvard, Edward Glasier, só serão concretizadas pela indústria de tecnologia [3]. Mas qual a relação entre aumento da população urbana mundial, indústria da tecnologia e eletricidade?
O desenvolvimento de novas tecnologias, a disponibilidade de eletricidade e um planejamento e gestão coordenados compõem o tripé fundamental à implementação das “smart cities” (cidades inteligentes), capazes de solucionar os problemas gerados pelo crescimento geométrico da população em áreas urbanas [4].
Cidades inteligentes exigem tecnologias como “Internet das Coisas” que envolvem sensores e câmeras para monitoramento, gerenciamento de dados e que, segundo Gartner, contará com 26 bilhões de dispositivos e uma economia de US$1,9 trilhão até 2020 [5]. Para a implementação das “smart cities” são necessárias redes avançadas de comunicações e soluções de comunicações, sistemas de informação, sistemas para computação, tecnologia de sensores, medidores, dentre outros.
Ora, como tudo isto precisa de energia para funcionar, a eletricidade apresenta-se como principal estratégia para um planejamento econômico-social, devendo ser o principal foco de governos que desejem liderar em um mundo conectado.
A eletricidade é o motor do futuro.
A energia elétrica no Brasil e no mundo funciona quase da mesma forma, sendo que a geração, transmissão e distribuição variam de país para país considerando as fontes de petróleo, gás natural, biomassa e carvão mineral, dentre outras. No Brasil, o setor já possui capacidade instalada na ordem 160 GW: com a participação das termelétricas (44%) e hidrelétricas (64%). As hidroelétricas compõem a maior fonte geradora, seguida nos últimos anos pelas fontes renováveis como energia Eólica e Solar (1.5GW).
Aqui, vale destacar a energia eólica como uma potência instalada já se igualando ao gás natural. O nome “energia renovável” vem justamente da possibilidade de uso desses recursos sem seu esgotamento.
A jornada que a eletricidade percorre desde sua geração, passando pela transmissão e chegada à porta da sua residência (distribuição) é longa com uma série de percalços pelo caminho.
Nos últimos anos, em função das estiagens de chuva e períodos muito secos, a capacidade de produção nas hidrelétricas foi muito afetada e isso contribui para um aumento excessivo nos custos da eletricidade para o consumidor final.
O setor energético beira um cenário de caos e uma total catástrofe. Custos explosivos, alta inadimplência e produtividade desastrosa, impulsionados pelo baixo índice de utilização da capacidade gerada, trazem à tona um triste quadro onde os maiores prejudicados são os consumidores que suportam aumento de tarifas devido a ingerência política das estatais.
Consequentemente, o setor enfrenta uma crise alarmante com quedas e oscilações frequentes, apagões e, em muitos casos, a completa falta de eletricidade por dias. Tais prejuízos elevam consideravelmente os custos, agravados pela incapacidade e baixa qualidade da infraestrutura do setor no país.
Esta tarifa demonstra o quão caro está a produção de energia no país, tendo a cor verde como a mais barata, a amarela para um custo intermediário e a vermelha para uma produção de energia mais cara.
As políticas públicas e falta de inovação e investimento no setor, agravam problemas que se intensificam no período de chuvas escassas, forçando que termelétricas supram a demanda em lugar das hidrelétricas. Nessas condições, o equilíbrio financeiro na geração e distribuição, representado pela bandeira verde, já há muito tempo não faz parte de nossa realidade. As contas de luz trazem a bandeira vermelha praticamente todos os meses, sinalizando a necessidade de repassar os altos custos da geração de energia.
O uso das bandeiras não é ruim e ajuda o consumidor a entender mais o consumo e o que está ocorrendo, porém não o liberta da servidão a qual está condicionado sempre que utilizar este sistema. As concessionárias, muitas vezes prejudicadas pelo alto valor de repasse, acabam com uma margem de lucro muito pequena, se comparada a toda cadeia de distribuição, sendo forçadas a devolver este ônus ao consumidor final, prejudicado por sistema precário, caro e ineficiente [6].
Pegando carona nas questões que envolvem os princípios e conceitos da escola austríaca de economia e em grandes nomes como Ludwig Von Mises, o consumidor é o soberano neste contexto.
Qualquer modelo de distribuição de energia deveria ter como foco principal as necessidades do consumidor, oferecendo-lhe opção de escolha entre concessionárias, maior qualidade no serviço e melhores tarifas de energia.
Um modelo de distribuição de distribuição ideal, por vezes implantado em países mais desenvolvidos e adeptos da economia de livre mercado, ainda precisa percorrer um bom caminho antes de ser efetivamente implementado em nosso país. Nossa realidade atual, contudo, já vislumbra algumas iniciativas promissoras , ainda em estado embrionário, mas com grandes chances de sucesso.
A ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), por volta de abril de 2012, criou e disponibilizou para todos os consumidores brasileiros, um Sistema de Compensação de Energia Elétrica, possibilitando que cada consumidor gere sua própria energia a partir de fontes renováveis ou cogeração qualificada, fornecendo o excedente para rede de distribuição da sua localidade. Este modelo, conhecido como GD (Geração Distribuída), é inovador, pois permite a qualquer consumidor investir em energia renovável e obter créditos futuros, abatidos da sua conta mensal de eletricidade dentro de um modelo de compensação.
Em outros países como no Canadá, o consumidor conta com uma vasta gama de empresas produtoras e distribuidoras de energia, podendo escolher com qual delas irá contratar. Lá por exemplo, o governo é quem domina a infraestrutura pública, permitindo que concessionárias locais ofereçam livremente seus serviços, assim como já ocorre em alguns países na Europa.
Quando se analisa o impacto que os meios tradicionais de geração de energia causam ao meio ambiente, as vantagens de uma solução em blockchain para o mercado de energia tornam-se evidentes.
A utilização de estruturas de blockchain no setor energético traz consigo um potencial enorme de inovação e liberdade a todos que fizerem uso da rede, transpondo do atual modelo tradicional para o que chamamos de “Smart Grid”.
Uma solução de blockchain quando implementada corretamente, pode trazer maior liberdade aos consumidores, tornando-os auto-suficientes, ou melhor, tornando-os “prosumers” (produtores e consumidores de energia).
Imagine se você pudesse desconectar-se da rede tradicional, e ainda ser capaz de gerar sua própria energia, vendendo o excedente para seu vizinho? Obviamente, seria necessário que ambos façam parte da mesma rede, a chamada MicroGrid. Isto pode parecer um filme de ficção científica, mas está mais perto do que podemos imaginar.
Empresas já estão trabalhando para construir um sistema de energia flexível, resiliente, conectada ou não a uma rede principal, revolucionando a maneira como gerenciamos os recursos energéticos. É este conceito que chamamos de “MicroGrid”.
E o modelo que mais faz uso deste conceito é o que atribuímos como P2P, ou peer-to-peer, onde os participantes podem comprar e vender energia livremente entre si a partir da produção local obtida por fontes renováveis como a Eólica e Solar. A Solar é, inclusive, a fonte renovável de energia mais comum já em operação em alguns locais como EUA e Europa. A escolha da fonte, ou seja, de onde irá partir a eletricidade, pode vir das placas instaladas no telhado, de um vizinho próximo ou até mesmo de bancos de bateria locais ou remotos.
Nesse cenário, uma solução de blockchain possibilitaria que todas as transações realizadas dentro da MicroGrid e registradas no ledger não pudessem ser adulteradas, garantindo uma maior transparência na cobrança da fatura, bem como eliminando erros que ocorrem atualmente durante o processo manual de leitura. Ainda, com a disponibilidade das informações para todos os usuários através de uma interface gráfica (um App, por exemplo), permitiria o acompanhamento e visualização do volume de energia disponível em toda a rede pelos consumidores, com a opção de comprar de um produtor de energia pelo sistema FV (Fotovoltaico), e vice-versa, usando uma criptomoeda ou Reais, por exemplo.
Como a aplicação da tecnologia blockchain no setor de energia permite que todos os provedores façam transações diretamente com seus clientes, o papel desempenhado por muitos intermediários que hoje operam no mercado (empresas de energia, plataformas de negociação, traders, bancos etc.) será consideravelmente menor. Isto levará a uma redução significativa nos custos do sistema como, por exemplo, os custos:
A diminuição ou eliminação completa dos custos acima reduziriam as contas de energia, direta ou indiretamente.
Os problemas gerados pelo crescimento geométrico da população em áreas urbanas somente serão superados com o tripé fundamental à implementação das cidades do futuro: disponibilidade de eletricidade, planejamento e gestão coordenados, bem como o desenvolvimento de novas tecnologias como blockchain que tenham como foco principal o consumidor.
Bem por isto, qualquer governo que pretenda posicionar-se na vanguarda de um mundo hiperconectado, deve perceber a energia como o motor do futuro e, por conseguinte, considerar o setor energético como uma estratégia econômico-social.
* Eduardo Pimazzoni é cofundador Cyclicus. Blockchain strategist pela University of Oxford e Business Application pelo MIT – Massachusetts Institute of Technology. Também é membro fundador da Oxford Blockchain Foundation)
——–
[1] Segundo relatório do World Population Prospects- 2017 Revisions (ONU)
[2] segundo relatório “Estado das Cidades da América Latina e Caribe” do Programa ONU-Habitat, disponível no sítio: http://unicrio.org.br/onu-lanca-relatorio-sobre-cidades-latino-americanas
[3] Glasier, Edward (2012). Triumph of the City: How Our Greatest Invention Makes Us Richer, Smarter, Greener, Healthier, and Happier. Publisher: Penguin Books; Reprint edition.
[4] http://www.com4.no/en/industries/smart-cities/
[5] Gartner (2017). In: Leading the IoT: Gartner Insights On How to Lead in a Connected World.
[6] Papo de Energia –https://papodeenergia.wordpress.com/2016/04/27/custos-de-transacao-no-setor-eletrico/
Blockchain Strategist pela University of Oxford, e pelo MIT - Massachusetts Institute of Technology. Liason do European Law Observatory on New Technologies. Atualmente cursa Cybersecurity em Harvard. Convidada pelo Parlamento Europeu para Conferência Intercontinental sobre aplicações Blockchain e regulação de criptomoedas e ICOs. Participou do 1st Annual Crypto Finance Conference, do Fórum Econômico Mundial e Forum Mundial da Internet.
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