Terça-feira, 24 de setembro de 2019
Para muitos, a maior vantagem das criptomoedas é permitir a posse descentralizada de ativos, moedas e afins. Porém, esse grande trunfo tecnológico é também o grande vilão da massificação dessa tecnologia.
O objetivo deste artigo é entender o porquê disso e sugerir possíveis soluções.
Para aqueles que conhecem a tecnologia de criptoativos, este parágrafo irá soar um tanto raso. Porém, para os que estão ingressando nesse mundo, sejam bem-vindos: tentarei explanar de maneira simples como se dá a posse de criptoativos.
Um bordão de mercado elucida bem o funcionamento da custódia: ”not your keys, not your coins”, ou seja, se você não possui as chaves de uma wallet, você não possui as criptomoedas. As chaves nada mais são do que a senha que assina uma possível transação de saída dos criptoativos contidos em um determinado endereço de wallet.
Trocando em miúdos, a chave é tudo e a grande maioria das wallets possui apenas uma. Dessa forma, a custódia de um criptoativo é muito parecida com as cautelas de ações de antigamente, que eram colocadas em um simples cofre com uma combinação de números protegendo-as de invasores.
Este artigo abstrai a utopia de que todos os usuários terão wallets individuais e irão gerenciar as próprias chaves.
Vamos lembrar que boa parte do mundo ainda utiliza post-it para guardar senhas, reutiliza-as em diversos sites e salva boa parte delas em seus navegadores.
Imagine um fundo que está disposto a investir US$ 1 bilhão em ouro em uma operação de curto prazo, vislumbrando uma valorização rápida do metal em cerca de 3 meses. Caso a custódia do ouro fosse de posse total de tal fundo, a instituição teria de abrigar 19 toneladas de ouro sob sua tutela. Vamos abstrair o problema de estrutura física e frete.
Vamos focar na segurança. Nenhuma instituição iria se expor ao risco de manter em sua custódia tal montante de recursos.
Por conta desse risco, o mercado de ouro opera apenas com recibos de posse. As barras de ouro ficam sob o amparo do Federal Reserve, nos EUA.
Alguns poderiam ver uma relação próxima dessa estrutura com a implementação de recibos de criptomoedas em algumas exchanges. Porém, são situações bem diferentes. A estrutura dessas exchanges se dá em forma de empresas limitadas e não possuem a relação fiduciária de um banco central, com poder de assegurar os recursos custodiados.
O ponto principal a se observar é o risco operacional, por se tratar de um único agente (empresa) envolvido, no qual algumas pessoas (às vezes uma única) detém o poder de assinar transações de um capital relevante e facilmente transferível.
Algumas empresas nos EUA já oferecem o serviço de custódia para gestores de recursos, porém, os serviços ainda estão longe do ideal e não decolaram da maneira esperada.
A segurança de cold wallets e carteiras multiassinadas evoluiu muito nos últimos 2 anos, tornando o risco de invasão nulo (em alguns sistemas). Porém, o maior risco é fiduciário. O poder de movimentação de grandes somas de recursos está limitado a um número diminuto de pessoas da mesma instituição.
Quase que a totalidade dos riscos em uma cold wallet é relacionado à interação humana. Na verdade, o risco é diretamente ligado ao incentivo financeiro para desvio de recursos. A falta de regulamentação e impunidade quase certa são outros agravantes para o risco que existe hoje na custódia dos criptoativos.
Imagine uma situação hipotética na qual uma empresa promete ganhos mensais superiores a 4% ao mês a seus clientes. Agora imagine que essa empresa já detém centenas de milhões de reais na forma de criptoativos em sua wallet. Por “n” motivos de mercado, a empresa não consegue mais honrar o retorno prometido. E, em face à sua eminente derrocada, seus sócios decidem desviar os recursos dos clientes. Em cerca de 30 minutos, seria possível desviar a totalidade dos recursos. O prêmio de risco em face à perda reputacional é grande demais para ser ignorado.
Qual a desculpa que eles dariam? A mais óbvia seria: “fomos hackeados!”. E não há maneira fácil de contrapor essa informação, afinal, nenhuma empresa (a exceção da que controlam) teria acesso a relatórios, operações e procedimentos envolvidos.
Quais sanções essa empresa sofreria? Perto de zero. Seriam processados por seus clientes, porém, em um mercado não regulado, sem nenhuma instituição profissional envolvida no processo, não há formas de provar se houve hackeamento ou desvio de recursos.
Um conceito básico do mercado tradicional é “quem opera não controla”. Essa frase diz muito sobre os riscos envolvidos no processo de gestão e custódia de ativos. Essa segregação não existe no mercado de criptoativos brasileiro e existe, ainda que de forma precoce, no mercado norte-americano.
Quem opera é o gestor de recursos (asset manager) e quem controla é o agente de custódia, função que pode ser exercida por bancos, corretoras e administradoras de recursos.
Vamos observar o mercado tradicional: uma gestora de recursos referência (como a Adam Capital) opera os recursos e traça as estratégias de investimento. Porém, não é a Adam Capital que divulga os seus próprios resultados e, sim, a BNY Mellon, instituição totalmente apartada, sem relação nenhuma com a gestora.
Há cerca de 1 ano, nós, da Wuzu, ofertamos soluções de custódia de ativos digitais para instituições financeiras.
Porém, a maioria delas ainda encara esse mercado como algo experimental. A falta de segregação de funções sempre é o grande empecilho.
Neste ano, em uma conversa com um renomado gestor de recursos, ouvi a seguinte questão: “imagine um fundo com 1.000 bitcoins, custodiados na instituição X. Se o bitcoin dispara para 1 milhão de dólares, como terei certeza que o dono da instituição não irá sumir com as criptomoedas? Afinal, isso (o roubo) o tornaria bilionário!”
Faz-se necessária a segregação de funções no mercado de criptoativos, com partilha das chaves das wallets entre instituições. Melhor ainda se esse papel for realizado pelas mesmas instituições que já operam no mercado tradicional, trazendo as melhores práticas para o mercado de criptoativos.
O mercado de criptoativos no Brasil sofre duros golpes no ano de 2019. A falta de transparência e relação fiduciária fazem o Brasil amargurar menos de 0,04% do volume mundial de negociação de criptoativos. Temos potencial para atingir, ao menos, 2% (50 vezes mais), se levássemos em conta nosso PIB em relação ao resto do mundo.
A maneira como os fundos irão lidar com os criptoativos ainda é um problema global. Talvez o Brasil, por ter um dos mercados financeiros mais evoluídos (e um mercado de criptoativos ainda incipiente) possa liderar o desenvolvimento desse mercado. Afinal, somos o país com maior número de golpes utilizando criptomoedas como isca. Grandes esquemas de pirâmides surgiram e poderiam ser combatidos com uma estrutura transparente de fiduciária de custódia.
Sabemos que a Regulamentação será lenta e, não necessariamente a ideal, portanto, os atores do mercado devem conduzir esse movimento de modernização.
é Economista pela Federal do Paraná, com 15 anos experiência em gestão de recursos e Private equity. Com passagem por grandes bancos, como Itau BBA. Minerou bitcoin em 2011 e é CEO da Wuzu desde 2017.
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