Quarta-feira, 20 de junho de 2018
A regulamentação da tecnologia blockchain foi tema da audiência pública da Comissão de Ciência e Tecnologia, Informação e Comunicação realizada essa semana na Câmara dos Deputados. A audiência foi solicitada pelo deputado Goulart (PSD/SP), presidente da comissão.
A audiência, que já havia sido noticiada pelo Criptomoedas Fácil, contou com a presença de sete palestrantes divididos em dois painéis. A discussão girou em torno da blockchain como tecnologia e seu uso em diversas áreas, incluindo registro de documentos, exercício da cidadania e formas de regulamentar o uso das chamadas Tecnologias de Livro-Razão Distribuídas (DLTs, na sigla em inglês), grupo do qual a blockchain faz parte.
Entre os presentes que estavam acompanhando a comissão estava Felipe França, vice-presidente da Associação Brasileira de Criptomoedas e Blockchain (ABCB).
Dividida em dois paineis de apresentação, o primeiro deles contou com as presenças de Mardilson Queiroz, consultor do Banco Central (BACEN); Glória Guimarães, diretora-presidente do Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO); Gastão Ramos, diretor-presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI); e Guido Lemos, professor do Departamento de Informática da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Mardilson Queiroz trouxe a visão do BACEN (Banco Central do Brasil) a respeito da regulamentação da blockchain. Segundo ele, a instituição vê de forma positiva o uso das DLTs e classificou a blockchain como uma delas. Mardilson afirmou que o próprio BACEN já estuda usos da chamada Prova de Conceito. Afirmou que o BACEN não regula a tecnologia, mas sim o uso, a oferta de serviços financeiros, e aspectos como lavagem de dinheiro e relacionamento com o cliente, e que muitos dos usos possíveis para a tecnologia blockchain já estão regulados (como usos para criação de CDBs, contratos, etc) e que a forma como as instituições bancárias fornecem esses produtos não é regulada. Ele finalizou ressaltando que o caráter distribuído da tecnologia pode trazer discussões sobre aspectos regulatórios, mas que é preciso deixar a tecnologia maturar antes de pensar em uma regulação adequada.
Glória Guimarães citou o uso da blockchain como protocolo de confiança para garantia de auditorias, segurança em registros e rastreabilidade de dados. Citou os casos de Estônia, Suécia e Reino Unido, países que já utilizam blockchain para esses fins e que tem estudos para adoção de criptomoedas próprias. No Brasil, Glória citou casos de uso do Banco Central e pelo BNDES, e também do próprio SERPRO, que pretende utilizar a tecnologia em aplicações no setor de logística. Expôs um vídeo de uma plataforma desenvolvida pelo SERPRO (Blockchain SERPRO) que permite o desenvolvimento de aplicativos com base na tecnologia.
Gastão Ramos também falou sobre as vantagens da blockchain como ferramenta de confiança e citou o caso da certificação digital. O diretor do ITI citou o exemplo de um projeto já aprovado no Denatran que, segundo ele, possibilitará a transferência de propriedade de veículos automotivos com o uso de certificação digital, sem necessidade de passar por cartórios. Gastão citou os riscos de validação e de segurança desses meios e voltou a citar o BNDES, através do projeto de certificação digital com a plataforma, desenvolvido junto ao banco (BNDESToken). Afirmou que blockchain e certificação digital não são excludentes, mas sim ferramentas complementares para o aumento da segurança e confiabilidade de processos.
Encerrando o primeiro painel de exposições, o professor Guido Lemos também colocou a importância da blockchain como plataforma de registro. Ele falou do projeto desenvolvido pela Universidade Federal da Paraíba que realiza registro de diplomas com blockchain com o objetivo de solucionar o problema de fraude na confecção de diplomas universitários. O projeto combina blockchain com certificação digital.
Após o final da primeira parte da audiência, outros quatro profissionais foram até a mesa para expor suas ideias sobre o uso e regulamentação da tecnologia blockchain. O segundo painel contou com as presenças de Marco Konopacki, coordenador do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio); Rodolfo Tamanaha, presidente da Comissão Especial de Inovação da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Distrito Federal (OAB/DF); e Amanda Lima, vice-presidente da Comissão de Direito de Inovações e Startup da Ordem dos Advogados do Brasil – seccional Rio Grande do Norte (OAB/RN).
O segundo painel iniciou com a fala de Marco Konopacki, que ressaltou as aplicações da blockchain para além do meio de pagamento (Bitcoin), como rastreamento e transparência, contratos inteligentes e identidades digitais. Konopacki citou o aplicativo Mudamos, criado pelo ITS Rio, para realizar coleta e verificação de assinaturas para propostas de lei de iniciativa popular através da blockchain – tais propostas eram previstas pela Constituição brasileira, mas raras vezes foram colocadas em prática devido à dificuldade em coletar e validar as assinaturas dos projetos.
O aplicativo cria uma identidade digital dos usuários para que os mesmos possam assinar um projeto de lei de forma segura e que possibilite a verificação fidedigna da identidade de quem assinou. Konopacki também mostrou casos de usos da tecnologia blockchain para identidade soberana, a qual pode contribuir para uma maior descentralização no armazenamento e uso de dados, garantindo diferentes acessos e entregando a posse dos dados e a decisão de guardá-los exclusivamente nas mãos da pessoa. Sobre a regulamentação da tecnologia, ele frisou:
“É importante pensar em regulamentações que não tragam freios a inovação.”
O palestrante seguinte, Rodolfo Tamanaha, ressaltou as possibilidades de comunicações anônimas na internet e os aspectos positivos e negativos dessas interações. Citou os desafios trazidos pela descentralização de sistemas e as suas possibilidades de uso. Comparou as discussões entre a regulação privada e a regulação estatal, inclusive suas implicações no estado de direito, que foram em parte trazidas com o surgimento da blockchain. Ressaltou que o estado já possui mecanismos para regulamentar quem utiliza a tecnologia blockchain – e para punir eventuais maus usos – e que esses instrumentos devem ser usados para facilitar o desenvolvimento da tecnologia no Brasil.
Amanda Lima, última palestrante da audiência, trouxe uma abordagem diferenciada, com um foco maior em aspectos práticos de possíveis regulamentações da blockchain. Amanda defendeu um “piso mínimo regulatório”, o qual tem objetivo de fornecer maior clareza para determinadas operações, tanto com a blockchain quanto com criptomoedas, visto que ainda existe muita incerteza sobre a definição de criptomoedas, de seu uso como meio de transferência e os riscos da ausência desse piso, como distorções interpretativas e distinção de CNAEs, o direcionamento das atividades exercidas pelas empresas. Por fim, ela também enfatizou a necessidade de clareza nas regras de captação de investimentos via ICO para evitar, entre outros riscos, que empreendedores tenham que migrar suas empresas para jurisdições com regras mais claras. – como foi o caso da startup brasileira OriginalMy.
Ao final das exposições, o espaço foi aberto para perguntas dos deputados presentes na audiência.
A classe política brasileira está no início das discussões sobre como regulamentar criptoativos e blockchain de forma mais adequada, a qual forneça segurança jurídica ao mercado e não diminua, ou até impeça, as inovações.
Eventos como a audiência desta terça-feira possuem grande relevância para trazer informações e orientações sobre como definir a legislação mais adequada.
*Matéria escrita por Luciano Rocha e publicada originalmente no portal Criptomoedas Fácil.
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